Lúcifer sai da caverna após sua longa conversa com a grande
Kali. O cheiro de incenso e o gosto de ervas fortes ainda estão impregnados em
seus sentidos. Ele desce a montanha lentamente,onde a caverna de kali
permanecia no topo daquele monte. Em sua pele , não havia mais nada escrito,sua
feridas haviam cicatrizado e seu corpo pulsava mais forte e vivo como nunca em
sua longa jornada.
Lúcifer sabia que ele tinha que cumprir sua missão cósmica em
nome do caos. Sabia que sua grande batalha, sua grande revolução, se daria na
cidade nova,onde o grande ego havia formado o centro de seu império. A cidade
ficava atrás do vale dos leprosos,atrás da floresta morta dos canibais,próximo
do rio onde os recém nascidos tinham suas gargantas cortadas.
Seus olhos brilhavam com o fogo de sua alma,ele agora estava
pronto para cumprir o seu ciclo caótico naquele planeta...
Haldol era um homem de meia idade que trabalhava de maneira
mecânica e infeliz em seu emprego,assim como todas as pessoas de sua cidade.
Ele trabalhava como limpador de narizes dos grandes empresários que eram seus
chefes. Conhecia todas as artimanhas de como se limpar um nariz,era um
especialista na arte de tirar ranho dos narizes poderosos de seus patrões. Sua
vida se resumia a uma comodidade infeliz e suicida.
Quetiapina , sua esposa. Era dona de casa,fazia a janta,o
almoço,limpava o chão,banheiros,quartos e limpava as fezes do cachorro. Era uma
mulher que vivia sua vida em uma comodidade segura e repetitiva. Rivotril era o
único filho do casal,sua vida se resumia às aulas de ‘’como morrer em vida’’ na
escola,punhetas em homenagem às moças felizes e sorridentes dos rótulos dos
xampus e à sua rede social da internet.
Certo dia,Quetiapina em um surto repentino de tédio,pegou o
machado que estava no armário e acertou a cabeça de Haldol, abrindo-lhe um
imenso buraco em sua cabeça. Após o ato, a doce esposa não esboçou reação
alguma, apenas cortou o marido em pedaços,recolheu o resto do cérebro que
estava espalhado pelo chão, guardando tudo na geladeira da família. Quetiapina
sabia que Rivotril havia presenciado toda aquela cena,mas ambos sequer
esboçaram reação alguma.
Quetiapina alimentou o filho com os pedaços do pai durante 3
meses seguidos numa fartura de carne sem fim. Assados,frito,ensopado,belos
bifes,um banquete refinado para aquela família que se alimentava de pilhas
,jornais velhos,pombos e gatos mortos. Quando a carne do falecido pai acabou,
Quetiapina defecava ou vomitava na panela,incrementando os pratos criando uma
nova forma de se fazer comida,tudo para alimentar seu filho, o querido
Rivotril. O garoto comia tudo sem reclamar,sem dizer nada,apenas engolia .
Quetiapina, tentava interagir com o filho colocando fogo em seu corpo,dando choques
em sua língua,arrancava suas unhas as vezes. Ela até trazia animais de
estimação pra o seu filho,depois ela os matava na sua frente apenas por uma
diversão sadia em
família. Depois de mortos,os bichinhos de estimação viravam
grandes banquetes que alimentava mãe e filho.
Para se livrar do tédio noturno,Quetiapina saia pelas ruas
atrás de jovens garotas para entreter seu filho que mofava em casa. Quetiapina matava
as garotas,arrancava suas peles e as trazia para casa. A dedicada mãe, criou
uma boneca de tamanho humano, costurou as peles em volta da boneca,vestiu-a com
as roupas do pai morto e colocou as suas próprias roupas íntimas na boneca.
Quetiapina deu a boneca de presente para Rivotril.
Ela obrigava o garoto a manter relações sexuais com a boneca
enquanto ela assistia tudo saboreando uma bela taça de vinho. Às vezes ela
mesma estuprava o filho com pedaços de madeira pontiagudos,só para não morrer
de tédio.
Rivotril,era fraco,magro,pálido,olheiras negras e esverdeadas,dedos
magros,pele ensebada,cabelo ralo,seu olhar era moribundo. Todas as manhãs ele
ficava sentado em sua cama,olhando para o vazio de sua parede mofada e
descascada . No andar de baixo,sua mãe ouvia um disco velho em sua vitrola ,uma
velha ópera da década de 20,uma raridade nos tempos em que eles viviam.
Aquelas pessoas,ou o que restou delas, viviam num pequena
cidade,onde reinava o todo poderoso ego,ele decidia tudo( ele havia se tornado
o soberano daquelas pessoas quando ele ganhou vida na cidade dos homens grandes
e ensebados) . Possuía uma forma esquisita, o corpo era uma grande gosma verde
amarelada,com toques de crueldade nos olhos, seu cabelo tinha cor de
narcisismo,sua boca era pura alienação,seus pés mediam o tamanho de uma
ignorância,sua cabeça tinha a circunferência de uma perversão,seu sorriso era
de plástico com bolhas e sua voz tinha a tessitura,o brilho e o tom de um
empalamento. Era uma figura idolatrada por todos que ali viviam, era um ícone
daquela época,todos vestiam camisetas com seu grande mestre estampando nela,
rezavam em seu grande e suntuoso templo feito em homenagem àquele messias. O
templo era feito com corpos amontoados daqueles que ousaram questionar o grande
e sábio líder, o grande ego. Todos amavam aquele ser,aquele que havia surgido
das entranhas de cada humano que havia vivido e que vivia naquele planeta,
antes conhecido como terra, agora Ego
Azul.
A família de Rivotril havia sobrevivido ao final da era
antiga,quando a terra foi assolada pelo ódio antigo,onde o grande vírus
devastou o velho planeta terra, transformando quase todos os seres humanos em bestas
canibais. Algumas bestas ainda perambulavam pelo planeta, tinham aqueles que
tentavam se aproximar da grande e nova cidade,mas logo eram capturados e
transformados em escravos sexuais ou se tornavam animais exóticos de estimação
dos moradores da grande cidade. O próprio Rivotril quando era criança, ganhou
uma besta humana como animalzinho de estimação. Ele não durou muito tempo,pois
o pai estuprou tanto a pobre criatura, que esta morreu por conta de uma
perfuração intestinal. Claro que ele serviu de alimento para toda a
família,graças aos dotes culinários de dona Quetiapina.
Todos interagiam em suas redes sociais na nova cidade ,em
computadores que ainda funcionavam,resgatados da antiga era(eles usavam o mesmo
mecanismo para se recriar a internet que era usado pelos homens grandes e
ensebados,da sua recém destruída cidade). O Egobook, era o sucesso entre os
moradores da cidade nova,era inspirado nas redes sociais do antigo mundo que já
estava extinto, Mas todos nós sabemos o quanto é legal fazer ‘’revival’’ de
coisas antigas,só pra ser descolado.
Todos postavam fotos de suas vidas felizes, postavam frases
inteligentes roubadas de livros da antiga era, coisas que eles não entendiam
mais,apenas postavam por que era legal. Faziam discussões entre eles mesmos,apenas para ver quem ganhava
no número de likes,apenas para parecerem inteligentes e descolados na tela dos
computadores de outras pessoas,escondendo suas profundas mazelas,ignorância e
medos.
A nova religião daquela cidade era baseada nas antigas religiões
monoteístas,mas o grande diferencial , o grande barato daquela religião , era
que o deus, o messias estava vivo entre eles,aparecia nas camisetas,comerciais
de supositório,participava de programas de auditório,de reality shows,tinha um
perfil no egobook. Muito mais divertido que as antigas religiões.
Outro fato interessante nessa religião, era que ao invés de
ficar adorando um deus para depois que morrer a pessoa ir para um suposto céu passar
a sua eternidade, nessa nova seita,quando as pessoas ficavam velhas doentes ou
apenas queriam morrer,elas iam até o grande ego divino e se entregavam para
ele,sendo engolidas por seu corpo perfeitamente disforme, servindo de alimento
para o grande e novo deus.
Certo dia , Rivotril estava tão cansado e tão entediado
daquela vida que ele resolveu desligar o seu computador,deixando um pouco de
lado a seu perfil no egobook, sendo que todos os dias ele postava fotos de sua
querida boneca ,presente de sua mamãe. Ele foi até o banheiro e se olhou no
espelho,o que ele viu não o agradou, há anos ele não esboçava uma única reação,não
sorria , não chorava. Seu pai lhe contava que quando Rivotril havia nascido,os
médicos tiveram que bater no bebe,espanca-lo, para que este pudesse chorar e
dar algum sinal de vida.
Mas naquele dia Rivotril se olhou no espelho e uma súbita
vontade de chorar tomou conta de seu ser,sua alma fria começou a doer,sua
garganta ardia em chamas, suas lágrimas escorriam pelo seu rosto pesando
toneladas,seu corpo tremia inteiro,seu estômago estava embrulhado,sua mente
explodia de dor e agonia. Em pleno desespero , Rivotril estourou seus punhos no
vidro do espelho ,que lhe mostrava aquela imagem,aquele ser morto que tanto lhe
trazia dor. Ao quebrar o vidro,ele viu que existia alguma coisa do outro lado
do espelho,parecia uma passagem escura,uma porta,uma janela. Colocou seu rosto
ali,gritou e o eco se fez presente,vibrando, ecoando o seu grito naquele local
escuro. De repente,sua curiosidade a muito tempo amortecida,estava pulsando em
seu peito,querendo sair. Rivotril se atreveu então a entrar naquele local
desconhecido a assustador...
Enquanto isso, no templo cadavérico do deus ego, os fiéis realizam
um ritual de adoração. O grande ego sentado em seu trono de vidro, observava o
ritual em sua homenagem. Os fiéis estavam de quatro,com suas nádegas viradas em
direção ao grande ego,com suas mãos abrindo gentilmente as laterais de suas
bundas,mostrando seus ânus para o grande deus. Cada pessoa soltava seus
gases,todos se regozijavam compartilhando o odor íntimo de cada um,numa festa
religiosa e escatológica sem precedentes. Todos peidavam felizes, entrando em
transe espiritual com os odores internos que rodeava aquele local sagrado, o
frenesi era visível,o êxtase gritava naquele recinto. Depois desse ritual inicial,
os fiéis juntavam uma grande massa de muco ,catarro e saliva em suas
gargantas,traziam para a boca,erguiam suas cabeças para cima e cada um dos
fiéis cuspia aquela massa amarela esverdeada e pegajosa,fazendo com que aquele
bolo nojento voasse bem alto acima de suas cabeças para logo em seguida, cair
em suas próprias faces. Ao cair em suas faces, o catarro se espalhava por seus
rostos felizes e realizados com tamanho ato sagrado,homenageando o sagrado ego.
No meio do ritual, o grande ego esporrava em suas pernas o gozo de seu prazer
divino,pois durante a celebração de seus fiéis,ele se masturbava observando
todos ali no templo. Depois sua porra era recolhida para ser vendia aos fiéis
em pequenos potes. Os fiéis levavam aquele esperma do grande ego,para se banhar
em casa,ou para beber o líquido sagrado do seu grande deus numa tentativa de
ter sorte e de alcançar algum milagre em suas vidas ínfimas.
Do outro lado,Rivotril caminhava naquele mundo escuro,por
trás do espelho de sua casa,num mundo paralelo ao seu. Rivotril sentia um medo
crescente em seu corpo, ao mesmo tempo uma sensação de um prazer estranho,como
nunca antes havia sentido em sua vida precária e doente. Ele sentia medo e
também uma sensação de esperança que pulsava em seu peito,renovando suas artérias
há muito deterioradas em sua vida estúpida que ele levava do outro lado do
espelho...
Éris lê e relê cada página do livro...
Ela parece gostar do que vê...
Deixa um cuspe dourado em cima da mesa do escritor, como uma
forma de presenteá-lo...
Logo o ego será dissolvido e a essência do ser brilhará...
O dia do caos se aproxima,o dia da discórdia transcendente...
O garoto caminha por trás dos espelhos,vendo aquilo que
ninguém quer ver...
Lúcifer se prepara para a batalha final dos humanos...
O escritor senta em sua mesa para terminar seu texto...
Éris toca em sua flauta a canção do eterno devir...
‘’Agora vá Lúcifer, abra suas grandes asas negras , mostre
aos humanos que ainda sobrevivem nesse planeta que eles são filhos do caos. Vá,
ensine-os a transcender o grande ego,a mergulhar em seus infernos,a olhar para
os seus abismos negros,ensine-os a rasgarem suas prisões mentais feitas de
papel e a renascerem em suas próprias carnes,assim como você renasceu da grande
descida ao inferno.. Ensine-os a morrer,a renascer e ensine-os a ouvir o som da
grande música do caos universal,pois eles também são músicos dessa orquestra
caótica que toca em seus peitos.’’
‘’Vá,antes que eu desmembre o seus corpo, antes que eu dance
sobre o seu cadáver e beba o seu sangue...’’
‘’Shiva irá dançar sobre o corpo do demônio da
ignorância...’’
Kali segura uma maçã dourada em uma de suas mãos, olha para
o céu vermelho. Lá, a abadia de thelema brilha como fogo. Se despede de Lúcifer
empurrando-o para fora de sua caverna negra, dizendo as palavras mágicas :
‘’Lembre-se, faze o que tu queres será o todo da lei. Amor é a lei, amor sob
vontade...’’
Kali saúda Éris, em nome do caos. Em Thelema,
festas,vinho,prazeres,orgias,alegria,liberdade...as duas se unem num ato
erótico,os dedos de Kali tocam os seios prateados do corpo de marfim da deusa
ÉRIS. A língua de Kali acaricia o clitóris dourado de Éris. As duas geram um
orgasmo cósmico, criando uma galáxia nova,brindando a revolução dos homens e
das mulheres na terra...
Lúcifer agora humano, sai da caverna para logo descer a
montanha. Carrega em suas mãos um pedaço da maçã dourada que lhe dará a forma
de Azrael aos olhos dos mortais adoecidos com o vírus...
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