o zumbido do
inseto ecoa em minha cabeça
ouço suas patas
batendo em meu crânio
toda noite
quando a insônia vem me visitar
com seu vestido
negro e seu sorriso macabro
ela anda pelo
teto de meu quarto
olha fixamente
para mim
beija minha
testa como uma mãe cuidadosa dando boa noite para o filho
diz ao insone:
'' tenha uma boa noite de desdém pela vida e de alucinações
masturbatórias''
disparo minhas
palavras vãs
contra a
existência vil dos homens
meu canto de
hálito pútrido
gela a espinha
contorcida dos homens
pois minha voz
ecoa em seus intestinos fétidos e contaminados
ó vida bela que
urina em minha face
deixando seu
odor no meu sorriso
sorriso negro de
dentes cinzas
salivando o ódio
de uma bela canção de amor
...amor, tragédia
entorpecedora das almas
ópio do desejo
vício saboroso
lambe nossos
corações, lubrificando suas batidas como numa vagina pulsante de
desejos
ardendo no peito
queimando as
vísceras
prazerosamente
traz no corpo o
calafrio mortal
a beleza da vida
vida que te faz
ter gases fétidos
que te faz
evacuar ....
fezes, que bela
novidade me trazes hoje?
notícias de meu
interior?
de quando vou
morrer? ou do quanto me suicido diariamente com uma alimentação
digna de vermes?
....começa a
viagem....
''O viajante olha no espelho e vê uma porta aberta
em seu peito, ele resolve
entrar ....''
caminhando nesta
manhã ensolarada pelo Sol negro do desespero, observo os
passos lentos e
cadavéricos de um idoso, uma cadela no cio, fezes de cão na
rua, um feto
abandonado na lixeira, uma dona de casa lavando de maneira suicida
sua calçada,
crianças brincando na igreja do padre pedófilo, uma mãe
gritando com sua
filha pois já teme a juventude e a feminilidade da filha
ainda pequena,
grita com medo, medo de perder seu espaço, medo de ver sua filha
ser mais
desejada do que ela mesma já fora, medo de se
ver velha e desfigurada
frente ao corpo
vivo e pulsante da filha. Vejo um pai espancando o filho pois
este é o único
prazer que possui na vida, o prazer de acreditar ser o dono do
corpo de alguém,
pois este já não possui a si mesmo
sinto um peso no
corpo
um inseto
grudado em minhas costas
crescendo a cada
dia, cada vez maior, tornando minhas costas curvadas
''como se chamas
inseto? quem és tu?''
''sou a sua
vida, estou te consumindo aos poucos, me alimentando de seu
corpo, de seu
sangue, de teu suor, de suas lágrimas, de suas esperanças, de seus
erros, de sua
estupidez, de seu rancor, de seu ódio, de suas
paixões, de sua
criatividade, de seu amor, de seu sorriso, de você''
''vida, por que
não me deixas caminhar sem o seu peso e sem me desgastar?''
''não posso, eu
te amo e te odeio, és meu vício, quero me alimentar de você e de
sua existência, quero
te matar em cada orgasmo que tens, quero lamber suas
lágrimas doces
de cada momento de desespero, quero enfraquecer seu coração a
cada batida
forte e pulsante, quero arrancar cada fio de cabelo seu para
fazer um belo
casaco para usar em minhas orgias demoníacas, quero ver sua
pele se
desgastar a cada dia, quero ver você perder suas amizades, quero ver
seu corpo
curvar-se perante meu poder, quero ver sua trágica velhice e
gargalhar com
seu odor de urina e fezes. Amo-te pois sou como você, me
alimento de ti, não
vivo sem você e se morres, morro com você, sou sua mais
íntima amiga, te
acompanharei até o fim, és minha diversão de cada dia, admiro a
sua existência
tragicômica. Odeio-te pois me levará contigo, morrerei com
você, virarei
adubo e alimento de vermes junto de ti. Odeio-te pois vivo em
ti''
.....ouço
vozes...
olho para a
igreja feita com pele de ovelhas, na esquina do limbo florido
entro em seu
templo e vejo o altar, com velas feitas de cera de ouvido
humano, água
benta com uma requintada mistura de urina e lágrimas, no alto
vejo o cadáver mais
adorado do mundo pendurado em seu instrumento de tortura
e martírio,
apodrecendo, o símbolo de adoração do rebanho que vibra em
orgasmos
dominicais ao ouvirem as frases sem sentido serem cuspidas pelo
apóstolo, pelo
sacerdote que não lavou seu pênis após ter se masturbado e com
as mãos sujas de
sêmen, entrega as hóstias aos fiéis que vibram no recinto.
Todos sorrindo
ao se esquecerem por um instante de seus insetos pessoais
sugando suas
seivas em suas costas, e o sacerdote senta em seu glorioso trono de
fezes
enquanto as
bestas hipnotizadas gritam ''aleluia, glória'' e ainda se chamam
de irmãos.
Tolos
descendentes de Cain.
...ouço uma
canção...
uma figura dança
freneticamente enquanto me equilibro no muro, vestida
em seus
farrapos com seu
cabelo sujo, olhos negros, boca negra.
sua dança é
assustadora, louca, ensandecida, canta uma canção assombrosa, a
canção que
frequenta os piores pesadelos humanos, sua língua é de víbora, suas
palavras saem ao
avesso, seu rosto apodrecido, dançando uma dança infernal
jamais vista
suas costas se
contorcem, seu corpo gira ao inverso, suas mãos se
transformam em
patas, suas pernas se contorcem
sua cabeça gira
para todos os lados arrebentando sua coluna, enquanto outra
figura mascarada
com cabeça de garfo toca o violino com cordas feitas de
veias ensanguentadas,
uma canção delirante que faz a criatura dançar
freneticamente
''quem és tu
figura ensandecida? por que danças?''
''sou a sua
loucura, e aquele ao violino é seu medo, a música que ouves é o seu
requiem''
''o que querem
de mim?''
''tu és o
viajante, tu quem descestes ao teu inferno, tu vieste nos
perturbar... o
que queres aqui viajante?''
''quero
conhecê-lo, é o meu inferno, vives em mim, sinto-o queimar em minhas
entranhas e não
o conheço''
''seja bem vindo
viajante, só não se perca dentro de ti, é um caminho sem
volta''..... ouço
sua gargalhada, que soa como navalhas cortando a pele
enquanto isso
uma boneca de pano olha intensamente para mim e diz palavras
terríveis que
não devem ser ditas, de sua boca saem vespas negras que devoram
seus olhos... ''odeio
você, seu podre...''
''olhe para a
montanha, diz ela... apenas olhe para a montanha... vá até lá''
......o
encontro....
no topo da
montanha vejo uma luz
subo a montanha,
escorregadia, fétida, membros mutilados, sangue, fezes...
cai uma chuva de
escorpiões... enquanto o zumbido do senhor das moscas ecoa
pela montanha...
chego ao topo, vejo
um velho bruxo, barba e cabelos brancos, olhos de
fogo, tocando
sua flauta mágica, uma bela música
''venha
viajante, sente-se aqui. você precisa saber de algumas coisas, coma
estes cogumelos
mágicos comigo... foram colhidos nos jardins de sua
imaginação...
por muito tempo
venho tentando falar com você, deixaste de me ouvir quando era
adolescente, morava
em teu coração... você o transformou em uma pedra úmida
e lodacenta...
fui obrigado a
me refugiar nesta montanha, neste pequeno abrigo que ainda
existe luz e
calor...''
enquanto o bruxo
movia a boca para falar, suas palavras saiam coloridas e de
seu cachimbo uma
fumaça esverdeada que flutuava pelo ar liberando um odor
adocicado de
ervas...
''olha para seu
corpo viajante, vejas no que tu te tornastes... suas costas
curvadas, sua
pele sem cor, seus olhos enterrados em seu rosto, seu corpo magro
e sem vida... deixaste
teu chefe, seu trabalho e seu dinheiro murcharem
seu
pênis... olhe
para este espelho e vejas no que te transformaste''
neste momento o
bruxo entrega ao viajante um espelho feito de gafanhotos
dourados ...
''o que vês viajante?''
o viajante olha
sua imagem no espelho enquanto o terror toma conta de sua
alma
enfraquecida. Sem cabelos, pálido, os olhos costurados, a boca costurada,
com um cadeado
trancando suas narinas e prendendo sua respiração, os
ouvidos estão
cheios de pregos e parafusos impedindo sua audição....na testa
uma abertura
repleta de grades... no interior de sua testa, o viajante
observa um leão
aprisionado e no fundo da jaula um garoto chorando.
''viajante, transformaste
sua vida em escravidão, viraste um eunuco, tornastes
escravo de uma
religião doentia, que adora a morte, detesta a vida e sente
medo do corpo.
Alienaste teu presente adorando idéias e fantasias futuras,
almejas uma vida
no além para compensar a tua infelicidade nesta, vives
apaixonado pela
masturbação mental de ter cometidos erros em teu
passado, vives
aprisionado ao teu passado.
Oras em templos
por um homem que deveria ter tido um orgasmo ao invés de
morrer para
salvar o mundo. Sofres carregando a culpa de acreditar na grande
mentira que lhe
contaram sobre nascer com um pecado original. O único pecado
que cometes é
não ser quem você é.
Tu és Deus
viajante, adora-te, seus semelhantes são todos deuses como
você, una-se a
eles, ensine-os a beleza de ser e de viver o que se é, ensine que
tu és único e
que todos os outros também o são. Agradeça a si mesmo por ser
quem és, pela
sua história, por suas tentativas, erros, acertos, experiências. Sua
vida não se
repetirá neste mundo, também não vivas esperando por outros
mundos, viva sua
vida que é uma bela e longa canção. Olhe quem você é, como
você é, com seus
olhos e não com os olhos dos outros. Não suje e não
distorça sua
visão, veja o mundo como ele é, veja a si mesmo como és. Não
invente imagos,
não siga doutrinas que mentem sobre quem você é, que massifica
sua existência e
a de seus semelhantes. Não crie ídolos e não adore imagens, a
única figura
digna de adoração e respeito és tu, acredite que tu
és uma obra
de arte, conduza
sua vida, seja teu mestre e teu escultor. Corte estes fios de
marionete presos
em seu corpo, bata suas asas e voe alto. Não destrua suas
idéias e
pensamentos, sua criatividade e paixões assistindo aquela tela
brilhante que
segues como sendo teu Deus. Não vês que neste momento
está entorpecendo seu cérebro? Cultivas fungos em suas
idéias enquanto se diverte com
mentiras comendo
unhas fritas acompanhadas de um belo suco de pus.
Viajante, ouça
este leão que aprisionaste nesta jaula, ouça o
garoto que
choras, não
sejas tua prisão, teu pior inimigo.
Vives como se
fosse uma caricatura de si mesmo, criaste uma quimera bizarra de sua
existência.’’
‘’mas quem és tu
velho bruxo?’’ pergunta o viajante..
‘’viajante, sou
o seu sábio interior, sou Belzebu, Cristo, Anticristo, Zaratustra, Maldoror, Zeus,
Hades, Odin, Thor, Anúbis... sou Você’’
Neste instante
cadáveres copulam ao pé da montanha numa orgia onde membros são despedaçados,
ao som de gritos de desespero... enquanto o rio lacrimal corre junto da bile
negra de suas margens... a chuva de escorpiões parece interminável, a ventania
traz consigo lacraias famintas... do rio surge uma baleia monstruosa com dentes
de foice e olhos de sangue, suas asas de morcego elefante, maiores que duas
formigas, assustadoras como um abutre rasgando a carne de uma parede de tijolos
de vidro, canta uma canção que diz ‘’durma bem, durma no fogo, comendo formigas
pela manhã, amando o ódio... o sábio urubu com cabeça de cigana vem pela
noite...’’
Uma criança
canta a canção junto do rio vendo a baleia nas suas margens, cortando seus pulsos com pregos... comendo um belo
prato de arame farpado...
Enquanto isso
uma mulher doente, o corpo cheio de chagas, se masturba esfregando cacos de
vidro em sua vagina, sentada em cima de um formigueiro de onde saem formigas
espermatozóides de duas cabeças... ao lado, a mãe sem rosto amamenta o bebê de
três olhos, com seus 18 seios de onde saem o leite de barata....
Ao pé da
montanha.......
Todas as
criaturas ao verem que o viajante estava confrontando seus demônios, seus
monstros e seu inferno, são tomadas pelo desespero e terror. E numa tentativa
de sabotar a coragem do viajante, começam a subir na montanha, para impedir a
atitude dele... gritando desesperadamente, querendo devora-lo
Ao pé da
montanha....
....A sagração
da primavera e o pássaro de fogo....
‘’Viajante, olhe
para o que te tornastes, sua vida está se esgotando, está perdendo seu tempo.
Liberte a chama que existe dentro de você, está vivendo sua vida como uma
lagosta indo para o forno, seu corpo está endurecido, sua respiração é fraca.
Aprenda a viver teu agora, ouça os teus desejos e sonhos, realize-os no
presente pois este é o único tempo real que te pertences. Pare de alimentar tua
estupidez, tua alienação.
Descestes até
aqui por acreditar que algo ainda está vivo dentro de teu inferno, tivestes a
coragem de olhar-se por dentro, de enfrentar os teus demônios. Voe viajante,
enfrente tua vida com o coração, com a alma, com teu sexo, com teus pulmões e
com suas lágrimas, com seu sorriso, sua inteligência e teus desejos. Tua vida
se realizará em cada presente, desperte de teu sono, de seu sonambulismo
existencial viva sua existência única. Tua criatividade criou este inferno pois
não destes vazão para ela, veja no que és capaz de criar. Transformaste tuas
dificuldades emocionais em doenças, criastes nomes esdrúxulos e inventaste
tratamento e remédios para não precisar fazer este caminho que você está
fazendo hoje, preferes aquilo que acreditas ser mais prático e fácil de se
fazer, mas não percebes que está se enganando, se suicidando e envenenando-se. Ainda
acredita que isto é ciência, que isto é a verdade, que conheces a verdade de
teu corpo, de teu espírito, do mundo, das estrelas, da tua loucura. Viajante, nada
mais verdadeiro que tua própria loucura. Deturpastes a medicina,
transformando-a em um grande negócio, as doenças orgânicas viraram lucro, e
inventaste a psiquiatria para lucrar com as dificuldades emocionais de teus
semelhantes, chamando–as de doenças mentais. Só o que o teu saber científico
consegue fazer é tornar as pessoas mais imbecis, alienadas, enfermas, esquizóides
(como gosta de chama-las), enquanto teu bolso aumenta de tamanho. Apenas ensine
o que vistes aqui aos teus semelhantes,
pois este é o caminho da cura que tanto necessitas.’’
O viajante
começou a sentir seu corpo tremer, uma energia parecia querer explodir dentro
dele...
‘’Agora entendo
sábio bruxo, agora percebo a realidade e
a sinto dentro de mim.’’Disse o Viajante....
‘’Viajante vá
até o jardim dos teus prazeres e una-se a dama que cuidas dele, a dama por quem
se apaixonaste mas acabou por se impedir de viver esta paixão por acreditar em
sua covardia. Una-se a ela pois teu orgasmo irá te salvar. E quando acordar,
não temas o inverno pois a primavera logo virá.’’
O viajante
tomado por sua coragem foi até o jardim encontrar com a bela dama.
Ao chegar lá, ele
viu uma bela mulher com cabelos de rosas vermelhas, olhos de diamantes, pele
dourada, seios de frutas, corpo de Afrodite, boca avermelhada como morangos,
sua vagina era rosada e doce.
No momento do
encontro a orquestra dos músicos sem instrumentos começou a tocar uma linda
sinfonia épica e apoteótica. O viajante começou a chorar com a beleza da
sinfonia, de suas lágrimas escorriam luz....
Fazendo amor com
a dama do jardim, seu corpo começou a vibrar, seus músculos se enrijeceram, sua
pele ficou avermelhada, seu coração começou a bater como tambores de guerra
fazendo seu sangue fluir por todo o seu corpo como numa enchente. Suas costas
ficaram eretas como nunca, seus olhos começaram a se abrir, arrebentando as costuras
que os fechavam, destruiu-se o cadeado que trancava sua respiração, de seus
ouvidos começaram a sair os pregos e os parafusos que o
impediam de ouvir a música da vida, arrebentou as costuras de sua boca
num grito estremecedor de prazer e vida.
No momento do
orgasmo, o Viajante e a bela Dama do jardim dos prazeres se tornaram um só, fundindo-se
nos corpos um do outro, numa explosão cósmica.
O fogo tomou
conta dos corpos e no meio da explosão surgiu uma ave avermelhada como fogo,
suas asas em chamas, seus olhos encandecidos, era um pássaro de fogo que surgia
da explosão do velho corpo apodrecido do Viajante. O pássaro surgia para o seu
vôo do triunfo, de liberdade, alcançando o sol....
A explosão
começou a estremecer o chão do inferno do viajante, derrubando todas as
criaturas no chão que gritavam de desespero e dor, suas peles se rasgavam, sua
podridão era lavada pela antiga chuva de escorpiões que se transformara em uma
chuva de água cristalina e límpida. Os pântanos e o lodo se transformavam em
belos campos floridos, de dentro das criaturas infernais nasciam novas figuras,
a criatividade, a esperança, o amor, a paixão, o prazer, a liberdade, a coragem,
a força, a bravura, a humanidade, ao som da flauta mágica do velho sábio que
dançava no fogo junto da criança que sorria com seu sorriso prateado. O grande
leão enjaulado agora rugia como nunca.
Enquanto o
pássaro de fogo voava para o céu, o velho sábio sorria ao pensar ‘’Parabéns
viajante, conseguiu atravessar o abismo que criastes que te afastava de ti
mesmo, voe, pois descobristes que o essencial é ser humano para ser um humano
essencial. Saibas que és metade filho da luz e metade filho das trevas. Quando
nascestes, vieste do caos e quando morreres, ao caos retornarás. Pertences ao
caos, tu és o olho do furacão. És fênix, viva pela sua morte e morra pela sua
vida. Até o próximo encontro Viajante.’’
Enquanto isso,
Éris sorria segurando os fios que movimentavam o velho sábio, como uma bela
marionete... e o viajante voava alto. Logo iria saber que ele era o filho da
luz,filho do caos...
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